27 de março de 2022… 09 de junho de 1976… 1810 (?)… 1815 (?)… 1831.
Anabel, Marla, Darlene, Eliene, Angelita, Rebeca, Cláudia, Nonato, Ana Paula, Luísa, Helena, Carla, Dana, Kevin, Rufus, Tom, Alice, Isaac, Margareth, Sarah, Luke, Nigel, Carrie… tanta gente junta e separada no hoje e no ontem, e também no passado e no futuro sonhado… sim… muita gente mesmo… porque estes personagens existem um pouco dentro da narrativa da vida de muita gente… eles são gente que viveu lá no passado, e que vive ainda no presente.
27 de março de 2022, 16h30, nos reunimos neste espaço da “nuvem”, tão imponderável quanto delimitado – pelo tempo e pela permissão – para trazer para o meio de nossa conversa estas gentes imaginadas de um passado vivido por muitos.
Nesta edição do Veredas tivemos a presença encantadora de Luísa Helena, filha de Anabel, que foi quem apresentou o livro para a mãe, que, por sua vez, o indicou para o sorteio dos livros a serem lidos no ano de 2021 no clube.
Luísa nos falou de sua experiência com Kindred, de como o livro ajudou a aflorar em si a certeza do poder da ancestralidade, a certeza do poder do conhecimento da própria história, que dá ferramentas para fazer a experiência no planeta menos ilusória, mais presente e articulada.
Octavia Butler, a autora, começa o livro colocando-se perante a escrita: “Comecei a escrever sobre poder porque era algo que eu tinha muito pouco”.
As relações entre as pessoas, entre as comunidades, contadas de um jeito no qual as questões de gênero e de raça gritam a sua urgência, mas de forma cotidiana, desfilam em Kindred do começo ao fim. O fluxo dinâmico, e de fácil leitura, impõe o ritmo de uma ficção científica que nos leva do presente ao passado, e vice-versa, com destreza, e também nos faz ter a certeza de que o passado não é tão passado assim.
A história contada pelo olhar de Dana, a protagonista, se passa entre a Califórnia do “presente” (1976), e Maryland do século IXI. Ela, mulher, negra, de repente, se vê do outro lado do país, em uma fazenda, 30 anos antes da guerra civil dos Estados Unidos. Sua presença, “invocada”; por um antepassado branco, sempre que está em perigo de morte, leva Dana a entender o seu “estar ali”; como uma estratégia de autopreservação… Dana precisa garantir que Rufus, o antepassado branco e herdeiro da fazenda escravista, permaneça vivo até o nascimento de sua filha Hagar, que garante a existência de Dana no tempo presente… tal estratégia narrativa pode ser conectada com a idéia de que conhecer o passado é a melhor estratégia de sobrevivência, defesa e articulação.
Esta narrativa, tão fantástica quanto crua e real, nos fez, a nós e a Dana e Kevin, seu companheiro, passar por temas como, racismo, violência, silêncio, submissão, misoginia, servidão, machismo, leitura, educação, direitos, escravidão, História, poder, resistência, liberdade, construção social, maternidade, luta, sobrevivência, força… medo e… coragem.
Octavia Butler é a rainha do afrofuturismo… mas o que é mesmo o afrofuturismo?
Em uma reportagem do Nexo Jornal, Stephanie Borges diz: “(…) A questão toda é ser uma experiência afrocentrada. São pessoas negras usando elementos de tecnologia, do fantástico, para refletir sobre a própria experiência e pensar em futuros possíveis em que a gente não seja necessariamente afetado por uma estrutura racista”.
Ler Butler nos instiga a refletir sobre o passado (seu peso e suas armas de libertação pessoal e coletiva – ancestralidade), a atuar no presente e a construir um futuro estruturalmente mais equânime.
Tenho algumas indicações que me vieram com o passar do tempo e com os pensamentos que, ainda hoje, voltam a Kindred:
- como pude deixar passar de incluir essas duas divas na playlist do Veredas quando falamos de Kindred, eu não sei (sim, porque temos uma playlist no Clube de Leitura, às vezes com uma música, às vezes mais de uma, para cada livro lido):
Billie Holiday com Strange Fruit:
Nina Simone com:
- outra indicação é um texto do livro “Palácio da Memória – Pessoas Extraordinárias em Tempos Conturbados” de Nate DiMeo. No livro há 50 histórias apresentadas originalmente num dos podcasts mais famosos do mundo “sobre pessoas comuns que enfrentaram – com coragem, paixão e inteligência – as vicissitudes, grandes e pequenas, oferecidas pela vida. Muitas não fazem parte da chamada História oficial, com ‘h’ maiúsculo, mas suas trajetórias iluminam aspectos que nos ajudam a entender a vida de todos nós graças ao encanto imorredouro da narrativa”, e a história que indico é – “sr. e sra. Craft”. Uma história real de pessoas que viveram lá no passado, “gente que não está nos compêndios oficiais mas cujos atos ajudaram a moldar o seu tempo – e o de todos nós que viemos depois”.
beijo grande,
Carla.